quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Se houvesse Degraus na Terra, São Tomé e Saint Jacques encontravam-se

Mas os degraus acabaram. Deixei de subir o pesadelo.
Agarrei a mão de uma criança qualquer e minto, a toda a hora
e consumo o corpo da forma que posso e não posso, desleal e infiel
Eis a minha natureza, aos olhos do amor, serei fogo?, serei água?, talvez
Serei o que me apetecer. Serei a criança com o ódio e a raiva,
Serei a criança que chora e berra
Ou a criança que ri e quer mimo e faz birras para ter o braço de sua Mãe
 
Como, se a Mãe nunca a pariu? Nunca a irrompeu o ventre de alguém,
Nasceu da carne do ódio, entre peixe e sal, por isso se desfaz em lágrimas 
de um mar aonde vai voltar em cinzas, um dia, em águas apenas suas.
 
Saint Jacques

Perdida


Perdi-me do tempo.
Perdi as minha penas, enchi-me de pedras.
Afoguei-me no desespero de causa nenhuma.

Perdi ar, perdi água, perdi fogo, perdi terra
Perdi os elementos
De Heraclito a Sófocles

Procuro, passo a passo
cada partícula de oxigénio

Procuro, passo a passo
Cada elemento de água

Procuro, passo a passo
cada partícula de fogo

Procuro, passo a passo
cada particula e elemento de terra.

E Hei-de reincendiar-me
E queimar-te em chamas de fogo ardente
deixar-te em quezília de chamas

E Hei-de inundar-me
E molhar-te de alto a baixo,
com lágrimas de afecto e de tristeza

E Juntar a Terra e o Ar.
Fazer destes dois a base
Pela qual sobrevivemos.

Hei-de reaprender a voar e mostrar
As asas antes em sangue
agora saradas e inundadas

Com água e o suor sofrido
E hei-de lamber-te cada gota
desse sofrimento
que tomarei como meu.


Saint Jacques
3 de Setembro de 2009


AMAR (S)EM TEMPOS DE CÓLERA

Colerica forma de estar esta agonia
que atravessa a alma e a poesia e pontes
que nos unem e desunem, sabes tu
Ventos faseados de Norte e Sul

Tempestades gélidas e oceanicamente
Devastadores da vida que desenhamos
Ora a preto e branco, ora a verde e amarelo
No fundo como os dias que me deprimem ou os que me fazem feliz

Ou nos dias que me possuis animalescamente
Fazendo que seja tua para a Eternidade
Ou que apenas passes pela minha pele como se de nada se tratasse

Amar assim é pouco e quero mais de mim
Para ti e de lá para cá
A cólera verdeja agora nas àfricas não tuas

A cólera ficou amarela da cor do Sol
e Secou uma vida inteira de esperança
Para o verde do mato onde o capim nos esconde

E nos possuimos selvaticamente
Que merda de cólera esta que não decidimos
O que é preto e branco e o que é verde e amarelo?

Faz-me sem cólera no Mato
Mas entrega-me à Óbô para que se enrole
em mim no tempo que tanto me assusta


Saint Jacques, 18 Março 2010

Áfricas Diferentes

Há uma terra em que nasci
Há outra em que cresci
Soube de um tempo
Que perdi e já não quero encontrar

Tempo desejado, tempo desesperado

Há uma terra onde arde o fogo
Há uma terra que inunda em salgada água
Há uma terra que alimenta

Um povo bondoso
Castanho escuro por fora
Africanamente generoso por dentro


Ali em cima daquela Linha
Em que Marinheiros de águas violentas
Bordejam à escala zero

Onde o Céu e a Terra se encontram
No limite entre a Vida e a Morte
E onde nasci e hei-de morrer.

Saint Jacques
26072008

Africanês

Perdi a aurora e a castidade com que nasci
Perdi a frescura de um tempo
Perdido na busca de coisa nenhuma
Para ti, por ti, e sem mim

Acendi a luz da secretária e sente-me
Com as letras que restam no meu jardim
Imaginário de sempre
Perco-me em orgasmos de palavras
Perco-me na busca de um prazer

Sempre imediato nas coisas que escrevo
Que nenhum valor têm
Se não ou nem sequer para mim

E passei a africanizar-me
Cada vez mais, africanizar-me
Assumir origens de uma língua
Que ninguém conhece e em que todos pensam
Buscar

Vou atrás da minha terra, dar-lhe prazer
À minha custa, e à tua se um dia para lá
Caminhares

Voa, se falas passarês, com as asas
Depenadas e a sangrar
Com a tinta de letras e as marcas do tempo

Nunca penses que o sofrimento é só teu
Não tenhas essa ilusão, sonha antes
Que deste desalento a quem te quis ganhar, e conseguiu,

Mas perdeu a virgindade de palavras
Que só a ti dirigiu um dia.
E vamos agora para onde?

Dar as mãos e correr voando e mergulhando
Entre alento e desalento
Entre prazer e amargura
Entre alegria e tristeza

Entre ti e entre mim
O que nos resta?
Se não as palavras, o tempo, passado e…

O nosso futuro? Africanês?

Saint Jacques
Setembro de 2009

Adeus é sempre

o presente da minha vida. Vivo com o adeus na boca e os olhos em lágrimas.
Sempre à espera que te me possas ir.
Sempre à espera que queiras partir,
Como eu aliás.

Nada de novo,
Fujo entre claustros e barracas de tempos
Perdidos

Busco por ti,
Entre pântanos lamacentos
De bocas maldicentes e
Pegas parladoras

Busco por ti,
No leito da minha cama
Onde todos os dias teima
Em aparecer um homem
Em miniatura
Que diz amar-me, sempre
Sempre ao ouvido

Busco por ti,
Pelo teu cheiro de corpo verde
Como as ervas em que sempre
Me enrolo, como se fosses tu

Busco por ti,
Pelas tuas lágrimas que insisto
Em secar e que me escondes

Busco por ti,
Pela pobreza que tens e de que foges
Atrás de alguém
Que te não quer,

Busco por ti,
Não sei há quanto tempo

Mas busco, sempre
E fico aqui.
De braços cruzados e dedilhar letras para mim
Já que sei que nada sei de ti

Saint Jacques
Fevereiro de 2008

Fico o de Eugénio de Andrade, mais rico que o meu miserável e sempre presente

Adeus